sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Em terras de Nentombe!




Soyo, 28 de Janeiro de 2012

Já há alguns dias que andava ansioso por conhecer o Soyo e a sua realidade. Como será aquilo, pensava eu. Será que vou ter boas condições? Será que se um dia a Inês quiser vir ter comigo vai gostar? Adaptar-se-á ela ao Soyo? Será que me vou "desenrascar" com o meu inglês nas reuniões com os americanos? Haverá cobras? Eram estas as principais perguntas que faziam que a minha ansiedade crescesse a cada hora, a cada minuto. Já imaginava uma "cloud computing" dentro da minha cabeça com perguntas a serem processadas de um lado para o outro. Estarei a ficar senil?
E assim andei até sábado.
Eram 05h00 da manhã quando me levantei cheio de energia e pensei para comigo: " vamos lá agarrar este touro pelos cornos!".
À hora combinada lá estava eu à porta do meu director de malas feitas para rumar ao Soyo. Pelo caminho até à sede da empresa, onde fomos buscar alguma papelada que nos fazia falta para a reunião que tinhamos agendada para esse dia com os americanos da Angola LNG (nosso dono de obra), fui falando com um engenheiro que já passou uma temporada no Soyo e que nos pediu boleia para a sede. Entre palavras e meias palavras lá fui tirando as minhas conclusões e, como já imaginava, a verdade é que ninguém abonava a favor do Soyo. Será aquilo assim tão mau? Não pode ser!
Passadas duas horas, depois de pagar algum excesso de bagagem e ter que justificar a minha ida para aquelas paragens lá estava eu e o António S. dentro do embraer da Air26, a companhia que nos levaria ao Soyo.
Decorridos aproximadamente 35 minutos e lá estávamos nós a aterrar no Soyo. Agora é que vão ser elas, pensava eu. André prepara-te para te abrirem a mala ali dentro do aeródromo, disse-me o meu director aconselhando-me a ter calma. Há que dizê-lo que sempre me ajudou, me aconselhou e preveniu antecipadamente dos acontecimentos mais "quentes" por que iria passar. Parecia-me bruxo...mas não, era mesmo a experiência de ter passado um bom par de anos por África!
Depois das burocracias táctico-estratégicas da altamente especializada policia do aeródromo internacional do Soyo, ironizando, lá estava eu a caminhar para a carrinha onde me esperava o meu director, António S., e o administrativo, Paulo V., que já aqui estava desterrado desde Março. O calor era abafado, o ar era quase irrespirável! Por momentos, muito curtos, lembrei-me da música que o meu amigo Dr. Galinha Barreto tanto gosta, onde as vozes alentejanas cansadas da ceifa do trigo entoam em coro, de fazer arrepiar os cabelos, as frases "o sol rasga as camisas" e " os corpos queimados mais ficam". Como disse, foi mesmo por poucos momentos porque a seguir olhei para os lados e vi aquilo que já todos me tinham dito mas que não queria acreditar. Onde é que eu vim parar, pensava eu. Depois de conhecer o Paulo V. e dos meus 30 e muitos kg de bagagem já estarem em cima da carrinha era altura rumar até à pseudo sede da nossa empresa no Soyo. Pseudo porque é uma vivenda que além de servir de alojamento também cumpre as funções de escritórios. Não é nada má, diga-se de passagem.
Sabem qual é a sensação do mundo lhes cair em cima da cabeça? Foi mesmo essa a sensação que eu tive. Onde é que eu estou?! Em que mundo aterrou a minha nave?! Estou lixado! A Inês nunca aqui vai conseguir estar! Confesso que as lágrimas escorreram pela superfície suada e, concerteza, pálida da minha cara! A esperança que sempre tive de que o Soyo não fosse assim tão mau tinha-se evaporado como se fosse o élio de um balão acabado de rebentar! Deus queira que os americanos cancelem a porcaria da obra, pedia eu. A esta altura já se falava dessa possibilidade pois, segundo eles, os terrenos ainda estavam longe de estar expropriados.
Naqueles dois ou três quilómetros tudo me passou pela cabeça. Estava, novamente, aterrorizado! Será que vale mesmo a pena tudo isto?! Estar longe da Inês, dos meus pais, da minha família, dos meus amigos, do meu Maximus, do Morante, do Paquirri, da caça, durante este tempo pela realização profissional? O pensamento que me passou e passa pela cabeça é só um: não quero estar apenas um ou dois meses num ano com a minha mulher! Isto assim não é vida! Não foi para isto que casei! Vim para ter estabilidade, principalmente monetária para poder-mos dar um neto aos nossos pais, e assim corro o risco de ter estabilidade monetária e não ter mulher nem filho. Enfim...durante estes dias é o que tenho pensado de hora em hora.
Depois de conhecer a restante equipa, o Marcos A. e o José C., fui conhecer o Didier Michel, um francês da Spie Capag que veio para ficar três meses e está aqui há cinco anos. Precisamos de um porto que existe no ainda estaleiro da Spie Capag e como eles vão desmobilizar fomos tentar ficar com essa estrutura para nós.
Passadas duas horas lá estávamos nós de volta à casa cor de rosa, a nossa casa/sede no Soyo. Era hora de almoço mas por incrível que pareça, quem me conhece sabe que consigo ter fominha a qualquer altura do dia, não tinha vontade de nada muito menos de comer. Estava em stress! A Inês mesmo que queira vir não se vai adaptar a isto, pensava eu ininterruptamente.
Fomos almoçar ao Kinwica, um resort de portugueses onde a nossa empresa fez um acordo para tomarmos ali todas as nossas refeições. É, sem dúvida, o melhor lugar para se almoçar ou jantar no Soyo.
Depois de um rápido almoço lá fomos nós à reunião com os americanos da Angola LNG. A Angola LNG é uma joint venture entre várias empresas do ramo dos petróleos, a Chevron, a Sonangol, a BP, a Total e a Exxo. Sendo que a Chevron é a maioritária.
Depois do António S. ligar para um responsável dentro da base lá nos vieram buscar de autocarro à entrada da base. A base mais parece uma prisão de alta segurança! Só se entra com um visto, que neste momento ainda não temos, ou então com autorização dos responsáveis, que nesse caso nos mandam alguém buscar à porta.
O desfecho era previsível, depois de tantas cartas a atrasar o inicio dos trabalhos era mais que certo que não ia-mos arrancar com a ponte. Passada hora e meia a ouvir os americanos de Huston, Texas, que são os responsáveis para este projecto por parte do dono de obra a sentença foi lida...a obra está suspensa! Era o veredicto!
Tanto que eu ali queria ficar e estes senhores cancelaram a obra! :)
A decisão era, realmente, frustrante para quem tinha andado vários meses a preparar a obra! Era uma sensação de que não havia respeito por nós, tinhamos levado um pontapé no traseiro sem nos darem um explicação. Vão para casa que depois avisamos quando for para iniciar trabalhos, disseram eles. Isto não é nada! Imagino a revolta que não estaria a sentir o António S., que ao longo de meses e meses tinha andado a preparar as coisas para que nada falhasse na altura de iniciar os trabalhos. O Paulo V. já cá estava desde Março e agora até já tinha tudo encaminhado para trazer a namorada para cá. O Marcos A. e o José C. que, também, já cá tinham assentado arraiais. Enfim, não havia nada a fazer. Manda quem pode, obedece quem deve!
Eu, próprio, me sentia frustrado porque a verdade é que queria muito fazer este projecto. O sonho estava a cair por terra. E que ficava eu aqui a fazer agora? Em Luanda já não tenho alojamento, fico aqui sem nada para fazer?! Estava a "flipar" completamente. O António S. gentilmente e sem querer dar muito nas vistas ainda me foi apresentando alguns sítios e pessoas para que me conseguisse adaptar ao Soyo no período que aqui permanecesse. Estava a acontecer tudo o que eu não queria, uma cidade de lata onde a Inês não se ia adaptar, lixeiras a céu aberto por todo o lado, infraestruturas escassas para não dizer inexistentes e, principalmente, sem o projecto que tanto queria fazer. A verdade é que estava mesmo motivado para este projecto! Queria muito participar nesta obra. Ia ser a minha satisfação pessoal, uma ponte e trabalhar com americanos, com os quais poderia aprender muito.
Ao jantar mal falei. Queria ir embora. Não queria ficar aqui nestas condições. Ia ficar demente!
Para piorar as coisas a internet mal funcionava. Queria falar com a Inês no Skype e não conseguia. Faço parte do elenco de um filme de terror, pensava eu.
O meu desejo era ir para Luanda. Já tinha falado com o André Lobo a pedir-lhe alojamento na casa dele, coisa que me garantiu prontamente. Agora era mesmo comprar um bilhete de avião, nem que fosse eu a suportar esses custos, e embracar para Luanda já na manhã ou tarde seguinte. Para me acalmar estava a tentar fazer um plano de fuga para Luanda. Que se lixe o dinheiro que me podem pagar. Os colegas que estão em Luanda, ainda por cima, ganham tanto quanto eu e estão tranquilos da vida. Até já tinha pensado onde ia pedir trabalho, caso me despedissem por este acto.
De seguida liguei ao António S., já eram 22h, a contar-lhe o que estava a pensar e não ia aceitar uma recusa da parte dele. No entanto, com a calma que lhe é caracteristica lá me acalmou a mim também e aconselhou a ficar até as coisas se resolverem. Já tinha em mente uma solução para o meu caso, garantiu-me. Com isto acalmei-me e cá fiquei.
No domingo acordei como se fosse uma criança que tinha sido raptada aos seus pais e a qual estavam a tentar integrar numa nova familia. Não queria ser desagradável com quem já cá estava nestas condições há meses. Mereciam o meu respeito! Depois de almoço alinhei numa ida à praia com o José C.. Pelo caminho lá me foi animando e contanto as suas histórias de comandante da marinha mercante, com esta e outra peripécia que lhe tinha acontecido nos tempos em que era comandante de uma embarcação nas águas de Moçambique. A estrada que liga o Soyo à praia da Kifuma é a mesma que faz a ligação entre o Soyo e Luanda. Foram aproximadamente 45km de terra batida, ladeados em toda a extensão por casas de madeira e lata, até à praia. A praia é agradável, apesar das águas serem escuras e, segundo o comandante, serem gordurosas devido ao petróleo.
Na cidade há, segundo o Paulo V., dois ou três locais onde se pode "socializar". São eles o Baía, o BelaVista e o hotel Nempanzu.
De domingo até hoje os meus dias têm sido passados entre o Kinwica e a nossa casa com uma ou outra ida fugaz à cidade (aglomerado pseudo-urbano de barracas de madeira e zinco entre uma ou outra casa colonial e um hotel de quatro estrelas). Os colegas de trabalho têm sido bons companheiros.
Estou no Soyo faz uma semana amanhã. Os sentimentos e as direcções a tomar estão ainda muito turvos mas já há linhas mais ou menos traçadas, pelo menos é o que sinto neste momento.
 Fico em Angola até aguentar cá estar pois, como já disse, o objectivo é fazer familia e não estar sozinho.


Quero agradecer à Inês, aos meus queridos pais, ao tio Janeca, ao Paulo C., ao João G.B., ao Nuno A. e a todos os amigos que me têm apoiado nesta aventura! Sem vocês os dias seriam muito mais penosos e dificeis de passar.

Pai dê um beijinho meu ao Maximus!

Beijinhos e abraços,

André

Casa "Cor de Rosa" - Alojamento/Sede

Traseiras da casa "Cor de Rosa"

Vista do Canal do Cadal


Embondeiro

Kinwika


Farmácia

Hotel Porto Rico


Rua do Soyo



Mercado








3 comentários:

  1. André...

    Estás a ser um grande HOMEM...só os fortes como tu aguentam.
    Adoro este teu blog, foi uma grande ideia de partilhares as tuas experiências com a tua família e com os amigos.
    Sabes que todos eles incluindo eu vamos sempre estar do lado de cá quando precisares de falar mesmo è distância.
    Desejo-te tudo de bom e que as coisas melhorem...pensa assim, está a custar agora mas daqui a uns anos quando conseguires ter o teu filhote com a Inês, vais poder contar-lhe tudo o que estas ia a viver. Vais poder contar-lhe como é Luanda e Soyo, tal como o teu pai te descreveu e quem sabe daqui a uns anos vais estar tu, deste lado a ler o blog do teu filho, e ele a escrever, “Luanda está muito diferente de tudo o que o meu pai e o meu avô me contaram”, já imaginas-te? Tens de pensar assim, são experiências e fases da vida que estão a custar agora mas que valem muito, o sucesso a nível pessoal e profissional é uma mais valia... vai permitir seres mais feliz. Para a tua família e para a tua mulher também não deve ser fácil... mas vais ver que os meses acabam por passar rápido e ao fim do ano a evolução profissional, e o aumento monetário...vão permitir maior felicidade ...

    FORÇA...se encontrares pedras no teu caminho não volte para traz, faz delas um degrau e sobe na vida.

    bjs, Mara

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  2. Olá André,
    és um verdadeiro Bandeirante, um autentico descobridor ainda que sem caravela.
    Parece-me que o Paulo Coelho ao pé de ti é um naífe nem dá para começar...coitado do Homem!
    Sempre que possas dá um oportunidade a ti próprio e aprende a gostar das novas paragens que a vida te vái proprcionando, lembra-te cada dia ficas maís rico e menos claustrofobico em que este Portugal e estes governantes nos transformão.
    Angola é um País rico de Gentes e cultura tens aí muito para disfrutar, acredito que as saudades sejam muitas mas com o tempo váis aprender a conviver com elas e a torna-las menos intensas, pré frente é que é o caminho!
    Fica bem,
    Abraço

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  3. Eis mais um GRANDE depoimento!
    Eu que partilhei à distância todos estes momentos, todas estas aventuras, todas estas experiências, posso confirmar que as principais sensações estão aqui retratadas; quem ler este blog, principalmente este post, rapidamente fica a perceber o quanto ficaste desesperado ao chegar ao Soyo, o quanto te quiseste vir embora no mesmo instante em que foste confrontado com tudo aquilo que toda a gente te dizia e que tu não querias acreditar: o Soyo são só barracas, no Soyo não há nada, mandam para o Soyo os trabalhadores que querem mandar embora de Angola!
    Pois é, isto é uma experiência para os duros! Para testar a tua capacidade de resistência/sobrevivência!
    Mas penso que ao continuarem a leitura do post também todos se vão aperceber que as coisas apaziguaram e que, o que há uma semana era péssimo hoje já não é assim tão mau. Afinal a casa cor-de-rosa até é gira e no Kinwica até se come bem! Afinal não é fácil falar pelo Skype mas era pior se não houvesse net! Afinal até tens rede no telemóvel!

    Um grande beijinho de coragem, força, ânimo e acima de tudo nunca te esqueças de Acreditar! Vai valer a pena,

    da tua esposa ;)

    ID

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