segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Tarzan


Eram quatro e meia da manhã, em São Bartolomeu, quando a luz da cozinha se acendeu! O Tarzan há muito que já estava acordado. Com pouco mais de um ano de idade, este Braco Francês já tinha uma enorme paixão pela caça, o que lhe permitia saber que hoje era dia de caça. O ano de 2011 não estava a ser abençoado com as tão esperadas chuvas, o que fazia com que aquela madrugada do 16 de Novembro estivesse bastante seca e muito fria. As temperaturas a rondar os zero graus centígrados para ele não constituíam nenhuma adversidade, com a energia que tinha e a vontade de saltar de pedra em pedra atrás das perdizes de São Miguel do Pinheiro nem sentia o frio que estava. A luz quem a acendeu foi o seu dono, o João. Também ele estava ansioso por ver a sua “fera” percorrer os terrenos de pinheiros e cascalho solto atrás das bravas perdizes! O Tarzan foi o seu primeiro cão de caça. Ao longo da sua vida, demasiadamente preenchida pela actividade profissional, nunca tivera a hipótese de ter um cão de caça. Possibilidade teve, mas nunca o quis por não ter tempos livres para o treinar e caçar com ele como agora o faz.

O farnel estava feito, as botas, a arma, os cartuchos e a boina já estavam na bagageira do Q5. Era altura de ir ter com o seu amigo. Do canil, construído propositadamente para receber tão digno exemplar de cão de caça, entoavam os latidos de alegria que o Tarzan emitia. Estava radiante! Mesmo antes de acender a luz do pátio que dá para o canil já lhe via os seus olhos da cor de um fardo de palha em plena planície alentejana nos tórridos dias de Agosto. O Tarzan é uma réplica autêntica do seu pai, o Morante. Com uma pelagem castanha salpicada com pintas brancas como se tivesse saído de uma tela de Picasso, o Tarzan é o orgulho do seu dono. Tomara que a destreza do seu dono enquanto atirador fosse idêntica à do Tarzan enquanto caçador, mas nem todos podemos ter esse dom. Naquela dupla era, seguramente, o Tarzan o líder. Ainda cachorro já ele parava o espantalho, cinco ou seis penas de perdiz seguras por um fio de pesca a uma cana do valado, com que o seu dono lhe treinava as paragens. As suas paragens eram e são qualquer coisa de extraordinário. Os seus olhos, durante uma paragem, fazem lembrar os olhos do “Avispado” na hora de colher Paquirri, em Pozoblanco.

Eram cinco da manhã, estava na hora de iniciar a viagem, mas mesmo assim o João permitia, como sempre, ao seu fiel amigo as últimas corridas no quintal. Desta forma podia aliviar a bexiga e não fazer asneiras dentro do Q5. Depois das necessidades feitas era altura de iniciar a viagem. O Tarzan tinha alguns privilégios que nem todos tinham, como por exmplo, sentar-se no banco do pendura do Q5 em cima do seu cobertor. O João ensinou-o a subir para o Q5 com um único salto, para não riscar a pintura metalizada da sua “bomba”! Lá estavam eles, o João ao volante e o Tarzan como seu co-piloto. Tinham pela frente duas horas e meia de viagem até às terras de São Miguel do Pinheiro, onde o restante grupo de amigos os esperava. Todos eles tinham ido no dia anterior menos o João, que pela sua profissão de médico tinha sido obrigado a fazer banco, na vila de Gavião, até mais tarde.

Depois de muito caminhar, de uma e outra festa passada no pêlo luzidio do Tarzan, de uma ou outra palavra de conforto, e pela degustação de uma (uma cada um) suculenta empadinha da Ponte de Sôr chegaram à sede da zona de caça às 07h30, conforme o João previa. Os amigos, de pequeno-almoço tomado, esperavam-nos. Depois dos cumprimentos feitos, de se aquecerem na fogueira de lenha de azinho, pois o frio era realmente muito, e do sorteio das posições que cada um ia ocupar durante a caçada em linha, no caso dos batedores, ou da porta, no caso das esperas, era altura de seguirem para a zona da caçada.

O João ia agora na carrinha com o Jacinto, o Q5 não tinha pedalada para aqueles terrenos, e o Tarzan na roulotte com o seu pai, Morante, com o Maximus e com o Paquirri (também apelidado de “fofa” devido à sua maravilhosa humildade).

Colocados na posição sete, tinha sido esse o número que lhe coube em sorte, e depois da linha estar toda composta iniciou-se a batida. O Tarzan, entusiasmado com toda aquela liberdade e provocado pelo odor abundante das perdizes e coelhos, ausentou-se mal o João lhe retirou a coleira. Passados cinco minutos e depois de muito chamar pelo Tarzan, lá vinha ele, com o curto rabo apontando para o chão e as orelhas murchas de quem sabia que tinha feito asneira. Vais apanhar seu malandro, gritava-lhe o dono, sabendo que era incapaz de lhe tocar com um único dedo. Feitas as pazes, seguem de novo, agora juntos. O Tarzan caçava como um cão velho e batido em terrenos dobrados como aqueles. Ora para a direita, ora para a esquerda, ia percorrendo, ao comando da voz do seu dono, o terreno que lhes coubera em sorte. Não foi preciso esperar muito para, percorridos pouco mais de cem metros, o Tarzan ficar paradinho com um coelho! O João não sabia o que era mas uma perdiz brava das que por ali andavam não era de certeza pois não aguentava uma paragem daquelas, ainda por cima muito longe das portas. À voz de incentivo do seu dono o Tarzan lança-se sobre o desconhecido. Do outro lado da copa do pinheiro manso sai um coelho. Para quem conhece aquela dupla, não é preciso muita ginástica mental para saber qual foi o desfecho do lance. Dois tiros de baschieri-pellagri e lá vai o coelho sem um único bago de chumbo. Mais um que se vai embora, pensava o João. Isto é uma vergonha, como é que eu errei este coelho, perguntava o João ao Tarzan, como que a desculpar-se pelo sucedido.

Estamos a começar bem estamos, lá ia gesticulando o João. O Tarzan já estava noutra. Era completamente viciado na caça. O seu nariz dizia-lhe que mais à frente havia de ir a “pés” um bando de perdizes. Mas não foi uma perdiz que ele encontrou, a poucos metros dali numa “limpa” de pasto seco, foi uma lebre. Este não posso falhar, pensava o João, enquanto o Tarzan aguentava a paragem a poucos metros dele. Passo após passo, o João aproximou-se do Tarzan. O cão estava completamente parado, de mão direita no ar como é hábito neste tipo de cães. O Tarzan era o único que sabia que era uma lebre. A lebre é o troféu de caça preferido do João. Após sinal do João, o Tarzan voou para onde sabia, tinha um olfacto de outro mundo e nunca se enganava, estar a lebre. Assim que a viu sair o João até tremeu, depois de um primeiro tiro fora do alvo, foi ao segundo que a derrubou. O Tarzan quase que a apanhava antes do primeiro tiro! Depois de uma cambalhota e meia lá vinha ela na boca do Tarzan! Viram isto, perguntava euforicamente o João aos seus companheiros de linha. É uma lebre e foi o Tarzan que a parou, gritava ele. “Boa Tarzan!”. És o maior, gritava o João enquanto lhe fazia festas no seu macio pêlo. De lebre pendurada à cintura lá iam eles novamente. Até estou admirado como é que não errei esta “menina”, pensava o João. Não demorou um minuto e lá ia outro coelho à frente do Tarzan. Este não aguentou a paragem. O João ainda atirou um tiro mas se não o tivesse feito o resultado seria o mesmo. Lá ia o Tarzan atrás dele, demorou mais de dez minutos até regressar. Ao dobrar da colina lá vinha ele, ofegante de tanto ter corrido atrás do coelho. Vá Tarzan, tira lá outro coelho ao dono, incentivava-o o João. A esta altura já estavam a cerca de quatrocentos metros das portas. O João, como ia sensivelmente a meio da linha, tinha que esperar para que os seus companheiros que faziam as pontas se adiantassem. Se não o fizessem as perdizes, sabidas como aquelas eram, sairiam para fora da zona a percorrer entre a linha e as portas. Depois da linha se recompor, voltaram a andar, agora mais devagar pois as perdizes ao sentirem os caçadores das portas tentam esconder-se na vegetação. Não demorou muito tempo, e lá estava o Tarzan novamente parado! Lá foi o João pé ante pé até ele. Desta vez não lhe deu ordem de avanço, passou para a frente do Tarzan e com um leve toque, com o pé, na baixa esteva fez com que a peça de caça saísse. Era um enorme perdigão! Pum! Lá estava ele no chão! “Oiça, eu já não falho uma peça de caça!”. Viu isto, perguntava ele eufórico ao seu colega de caça e amigo Jacinto. Esse coitadinho atravessou-se à frente de um baguinho de chumbo, retorquiu o Jacinto. A boa disposição reinava entre eles. “Esse cão vê-se logo que é filho do meu Morante!”. Se não fosse eu a dar-lhe um cão nunca na vida você caçava um perdigão desses, gritava em tom de brincadeira o Jacinto. Também o Jacinto já trazia um casal de perdizes e cinco coelhos à cintura. O Maximus, o Morante e o Paquirri tinham-se encarregado de lhas levantar. Dali até às portas já não viram mais nenhuma peça de caça dentro da distância de tiro. Quando chegaram às portas puderam constatar aquilo que já vinham pensando. Tinha sido uma excelente caçada! Havia muita caça naquela mancha.

Depois desta batida seguiram-se mais duas. O João e o Tarzan ainda conseguiram caçar mais três perdizes e sete coelhos, quase todos parados pelo Tarzan. Não vale a pena relatar o número de peças de caça que o João errou porque o que se pretende com esta história é, essencialmente, descrever a aptidão e destreza caçadora do Tarzan. Vai ser, sem sombra de dúvidas, um excelente cão de caça!

Depois da caça dividida e devidamente limpa foi altura de comer o bom bacalhau com grão acompanhado de um tinto alentejano em São João dos Caldeireiros.

A esta hora já o Tarzan dormia no banco do Q5!



Um abraço ao João e ao Tarzan!



André Pinto



PS: Para quem não sabe, o Tarzan ainda está para nascer! No entanto, já tem pai, o Morante, e padrinho, o André. ;)



Não é mas podia muito bem ser o Tarzan!

1 comentário:

  1. Boa narrativa, apenas um pormenor a salientar: não gosto do nome de Tarzan... mas que padrinho me saíste! Com tantos nomes giros que existem!

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